O homem procurando os altos cumes das montanhas...


Nietzsche utiliza dessas três metáforas para dizer três modos de ser enquanto ciclos necessários para um vir-a-ser “elevado” do gregário.

O camelo representa o homem juntando suas vivências e acumulando conteúdos na travessia do deserto da vida. Caminha pela vida, expandindo e limitando suas possibilidades de ser e de viver. Mas sendo só camelo o homem é só um espírito que percorre o mundo carregando “pesos”, sem transformação, anseios e superação. Sendo camelo o homem pode apenas acumular elementos da vida em rebanho. O camelo carrega o fardo do “Tu deves…”, é o homem devedor à moral gregária.

Mas quanto mais acumulamos vivências na nossa bagagem existencial, quanto mais sofrimento e alegria, pode haver o confronto entre a moral coletiva e a moral singular do próprio viver, é ai que o camelo pode dar lugar a um leão que inicia o nascimento de um novo espírito: o homem que se revolta contra a sua aridez desértica ocasionada pelo clima pobre das multidões. O leão representa o “Eu quero…”, uma revolta do homem que agora quer dar vida ao seu deserto onde as nuances da vida singular são pisoteadas pelo rebanho. Contudo, o leão ainda não pode criar, ele se rebela contra o homem-devedor tendo como meta o vir-a-ser do homem-criador.

E é nessas árduas batalhas do homem-criador contra o homem-devedor, aquele que quer fazer da sua vida sua própria obra de arte contra aqueles que cultivam os ídolos, que o homem pode encontrar novamente a sua pureza para fazer da sua vida uma obra singular. Eis então o estágio mais nobre e puro do homem: o ser criança, o momento do “Eu sou!”

O leão que consegue romper com os grilhões da moral escrava torna-se pura inocência e esquecimento – e não somente memória formada por ferro e fogo – para assumir sua posição de re-criador da sua vida.

O homem que atinge esses três ciclos, que acumula sua dor e sofrimento como um camelo carregando o que lhe colocam em cima, que na dor e no sofrimento encontra o furor de um leão para se rebelar contra seu fardo para fazer de sua vida a sua própria vontade, e atingindo então o espírito mais livre e puro marcado pelo esquecimento tal como o da criança, torna-se o além-do-homem. Eis então aquele que é “Eu sou!”, agora incapaz de ser domado.

Procurará os altos cumes das montanhas, deixará os verdes e calmos prados aparentes do rebanho e se jogará dançando para o abismo.


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