Condução...


Em um dia desses

Em um dia desses, em que saímos de casa de mal com a vida, e mal com todos que estão ao nosso redor, tudo pode acontecer. Sabe quando estamos somente esperando uma oportunidade, como se diz no ditado popular – de soltar os cachorros em alguém mesmo sem ter motivos? Somente os nossos motivos?

Eu estava em um ônibus na cidade onde moro.
Dentro deste ônibus havia todo tipo de pessoas, alegres, tristes, mal intencionadas, viciados, pessoas tentando se matar e pessoas doentes.
Eu acredito que se pudéssemos reunir e materializar nossos pensamentos, naquele ônibus, o inferno seria um lugar bonito.

Eu observava cada uma das pessoas como sempre faço. Gosto de observar pessoas.
E no percurso que eu fazia ouvi muitas coisas.
À minha frente duas mulheres conversavam de suas vidas, e também das de outras pessoas. Falavam coisas como “eu queria sumir”, “eu queria morrer” e a outra também concordava e falava a mesma coisa. Revoltadas com o casamento triste, com os filhos, e frustradas com a sua situação financeira.

Ao meu lado um rapaz tentava se esconder, ou esconder o que ele tinha nas mãos: um tipo de droga, uma droga qualquer, um tipo de sintético.
Fiz de conta que não vi, mas percebia que ele estava morrendo, pois seu rosto passava isso. Observava que, ao mesmo tempo, queria viver, porque pedia isso através do seu olhar.

No banco ao lado, uma menina chorava com seu filho ao colo.
Parecia um filho indesejado como muitos que eu já ouvira algumas mães dizer.
E, ela falava, sozinha, coisas como “o que eu vou fazer com você”.
E, a criança chorava muito.

Eu percebia que estava em um verdadeiro inferno. E, na verdade, eu estava.

Desprotegido, a minha mente também estava atribulada naquele momento.
Eu reclamava comigo mesmo:

_Poxa, que droga um ônibus lotado, pessoas se odiando aqui dentro e lá fora está chovendo ainda para piorar as coisas!

E, naquele momento, quem queria morrer era eu.
Dívidas, família desunida, vícios, e uma vida sentimental incompleta. Na verdade, eu estava na condução dos condenados, dos suicidas, porque todos queriam morrer.

De repente, um rapaz entra em desespero dentro do ônibus.
Acho que aquele ar negativo o incomodava. Ele começou a se debater e a gritar.
E, uma mulher o acalmava. Na verdade eram duas, porque uma que não era sua mãe o acariciava e, a outra, o criticava, o xingava coisas como “você só me faz passar vergonha” e, “o que eu fiz para merecer isso?”

De repente, o ônibus ficou em silêncio.

Este rapaz estava com um uniforme, um desses de escolas especiais que dizia ser de um lugar para crianças com câncer.
Eu, na mesma hora, senti vontade de chorar e as pessoas me observavam.

Eu me levantei e fui até a moca que o acariciava. O rapaz devia ter a minha idade.
Sua mãe me falou:

_ Você não precisa ter pena dele, que ele é normal.
E eu respondi: _Concordo com a senhora.
E pensava comigo mesmo que, quem não era normal era eu mesmo.

Então, perguntei pra a moça se ela queria ajuda. Ela respondeu que não, e que ele estava bem. E continuou:
 _ Apenas está chovendo muito e ele quer abrir a janela. Eu não posso deixar, porque a imunidade dele está baixa.

E o rapaz perguntou, me estendendo a mão:
_Qual o seu nome?
Eu disse a ele meu nome, e o ônibus inteiro ficou mudo.
Apenas algumas pessoas sussurravam: _Que dó desse menino...

Pareceu que, nessa hora, todas as pessoas que estavam naquela condução dos condenados comigo passaram a ter sentimentos.

E o rapaz disse:

_Como você é?
Eu lhe respondi dizendo medidas, cor, peso, idade e do que eu gostava.

Então, ele acrescentou: _ Parabéns, você é um homem perfeito!
Eu sorri dizendo obrigado, agradecendo, mas chorando internamente porque eu não era perfeito, e não passava de uma mentira exterior. Mas lhe afirmei:

 _ Você também é perfeito.

Ele me aconselhou:

_Aproveite e agradeça o que Deus te deu, a saúde.

Perguntei, então: _Por que você me fala isso?
Então, ele começou a chorar e a sua professora também. Sua mãe só balançava a cabeça. Então, ele disse, com sua voz baixa e cheia de lágrimas:

_Abra a janela do ônibus, por favor...

E o ônibus me olhava. Eu estava com medo e vergonha porque não seria a pessoa certa para fazer aquilo. Ele era tão bom e eu tão ao contrário dele, querendo até mesmo pedir a morte pelo dia ruim, ainda reclamando da chuva que eu maldizia.

E ele insistia, tristemente: _Abre...
Então, perguntei o por quê. E ele respondeu:

_Tenho meus dias de vida contados, eu queria tanto viver mais, queria tanto poder ver o que vocês veem, queria tanto sentir o que vocês conseguem sentir...

Ele chorou e pediu “por favor”, à sua mãe e à dona Rose, que era sua professora.

_Já que eu não posso ver, me deixe pelo menos sentir a chuva lá fora tocar meu rosto. O que eu mais queria era poder ver a chuva cair, sentir a chuva em mim, e poder ver meu corpo molhado pelas lágrimas de Deus, banhando o corpo de seu filho que ama a vida, e lhe agradece por ela.

E a janela do ônibus foi aberta.
Creio que as de nossos corações, naquela hora mudos, também.

Eu chorei, como chorei..
Só então eu percebi que quem era cego e doente, era eu mesmo...
Eu que não percebia a importância que tinha minha vida tão criticada por mim mesmo, tendo saúde, pessoas que amo, e que estão a meu lado e me amam também.
Eu que tinha tudo para seguir enfrentando a vida, passei a me ver diferente...
Neste exato momento eu sorri.
Coloquei a minha cabeça junto a dele para fora da janela.
A chuva lavava nosso rosto, curando a minha cegueira e tristeza dele.

E, desde aquele dia, eu nunca mais peguei uma condução para o inferno.
Continuo andando de ônibus mas, agora, me levam sempre a novas descobertas.

Hoje, agradeço a Deus todos os dias por tudo o que Ele me dá, e até nas coisas ruins eu dou risada, porque nada mais pode me abalar.
Eu aprendi que posso sentir esta força dentro de mim do mesmo jeito que aquele rapaz queria sentir a chuva.

Obrigado por Deus ter me dado a oportunidade de conhecer aquele rapaz.

E você? Até quando viajará neste ônibus a caminho do inferno com as suas reclamações? Acorde, desperte, faça este pesadelo se tornar um sonho, porque além de sentir, você vai poder ver o seu sonho acontecer.

Um abraço do Macaco...

BK: Todos os direitos reservados.


O Macaco disse: seja original e escreva o seu próprio texto, mas se copiar, cite a fonte:
http://bubakatana.blogspot.com/2010/08/conducao.html

Um comentário:

Flavia Kreutz Berres disse...

Situação ótima para refletirmos... todos os dias... adorei o blog!
bjos